IA: há espaço para o Brasil investir nessa indústria, por José Dirceu

O presidente Lula tomou uma iniciativa crucial ao encomendar a criação do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que está sendo desenvolvido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Esse plano é fundamental, já que a indústria de IA está em expansão nos países desenvolvidos e deve dominar a economia nas próximas décadas. De acordo com a consultoria Statista, o mercado global de IA deve atingir US$ 184 bilhões até o final deste ano, e chegar a US$ 826,7 bilhões em 2030.

 

O Brasil não pode continuar dependente dos conglomerados tecnológicos estrangeiros, limitando-se a ser apenas um usuário de produtos e serviços. Se queremos mudar nossa posição na economia global, precisamos investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação para criar empregos de qualidade, e não apenas empregos de baixa produtividade.

 

O PBIA deve ser integrado com o programa Nova Indústria Brasil, que, em minha opinião, é um dos três pilares necessários para um programa de desenvolvimento nacional. Os outros dois pilares são o PAC, que prioriza investimentos em energia, óleo e gás, Minha Casa, Minha Vida e obras de infraestrutura, e o Plano de Transformação Ecológica.

 

O PBIA, que atualiza a atual Estratégia Brasileira de IA focada no uso de sistemas de IA, será apresentado na 5ª Conferência de Ciência e Tecnologia, marcada para os dias 31 de julho e 1º de agosto. Uma versão preliminar do plano, segundo o sociólogo Sergio Amadeu e a jornalista Lia Ribeiro Dias, ainda foca no uso de IA e no desenvolvimento de aplicativos, sem dar ênfase ao desenvolvimento de tecnologias essenciais para a indústria de IA, como os modelos.

 

Se a versão preliminar do PBIA realmente for assim, é essencial que o plano seja mais ambicioso. Apesar de os modelos exigirem altos investimentos, não devemos nos limitar a desenvolver apenas aplicativos para modelos estrangeiros – o mercado de IA é liderado pelos EUA e pela China. Devemos evitar reforçar o poder desses oligopólios tecnológicos.

 

Embora não se espere que o Brasil se torne autossuficiente na produção de sistemas de IA a curto prazo, é possível construir um espaço significativo na indústria de IA a médio e longo prazo. Precisamos superar a ideia de que tecnologias disruptivas só podem ser desenvolvidas por multinacionais, concentrando recursos e esforços em áreas estratégicas para desenvolver tecnologias no núcleo da indústria de IA.

 

Um exemplo inspirador é o da Itália. Apesar de não ser um líder em IA, o país está buscando um caminho próprio. O Sapienza NLP, grupo de pesquisa da Universidade Sapienza de Roma, lançou os modelos Minerva, desenvolvidos para o idioma italiano com uma base de dados de mais de 500 bilhões de palavras, atendendo a diversas necessidades, como compreensão de linguagem natural, geração de texto, tradução automática e suporte ao cliente.

 

Lula tem enfatizado a necessidade de uma IA que fale “brasileiro” e de uma IA para o Sul global competir com a indústria do Norte. O Brasil possui universidades com centros de pesquisa de excelência, um sistema de financiamento adaptável para fins estratégicos e empresas de tecnologia que podem ser parceiras no desenvolvimento de IA. Além disso, temos os dados necessários para treinar sistemas de IA.

 

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços está trabalhando para fortalecer a cadeia de produção da indústria de IA no Brasil, negociando com o BNDES para apoiar o desenvolvimento de modelos de linguagem por três empresas brasileiras de tecnologia.

 

Uma política de proteção dos nossos dados públicos e estratégicos é fundamental para o desenvolvimento da indústria de IA, pois o treinamento de modelos exige vastas quantidades de dados. A União Europeia e a China já implementaram políticas para proteger e promover o uso econômico de seus dados, visando estimular o desenvolvimento econômico e social.

 

O Brasil também começa a reconhecer a importância dos dados na economia. Em discurso na Cúpula do Mercosul, Lula defendeu uma política de soberania digital, enfatizando a necessidade de desenvolver a capacidade regional de coletar, processar e armazenar dados, essenciais para o avanço tecnológico e a digitalização da indústria regional.

 

A economia dos dados afeta de maneira diferente os países desenvolvidos e os periféricos. Países centrais desenvolvem tecnologias de ponta e possuem a infraestrutura para produção e armazenamento de dados, enquanto os países periféricos, como o Brasil, são consumidores de tecnologia e exportadores de produtos de baixo valor agregado. É vital proteger nossos dados para evitar que sejam armazenados fora do país por empresas estrangeiras.

 

A soberania dos dados deve ser uma prioridade na política pública do Brasil. Investir em pesquisa e inovação é crucial para desenvolver tecnologias de ponta, como sistemas de IA, e criar condições para a produção de produtos de maior valor agregado, alterando nossa posição na economia global.

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